5.1.12

A Europa Manchada de Sangue

Foi um tiro na boca. Ou no queixo, ou na garganta; ou até na cabeça. É isso que se sabe, é isso que disseram.
A especulação é grande. Por quê?
Constatação única: ele tinha problemas psíquicos!
Rico. Inaugurou na terça-feira uma padaria gigante – a meu ver não tão boa quanto a antiga... Era mais aconchegante, mas cheia de viva – vários bois na fazenda. Filho formado, e que de presente ganhou um carro zero – que, aliás, bateu quando saia afobadamente pra tenta salvar o pai. Duas mulheres, uma aqui e uma no Mato Grosso – dizem, pelo menos! Ele era mulherengo mesmo.
Ia separar-se da mulher, a daqui. Ela queria tudo! “Meu pai que ajudou a construir essa padaria, ele que injetou dinheiro na gente; você saiu do TRE porque quis, porque quis vim ajudar a padaria que prosperava.”
Bom, motivo concreto seria esse, afinal, 15 minutos antes do acontecido, ele ligara pra ela. “Olha Paula, a camionete está com tanque cheio, to aqui no posto. A fazenda ta cheia de novilha, a padaria está inaugurada, com o lanche natural a R$7,20 – bem inflacionado! – Não era isso que você queria? Tá tudo ai. Pode ficar com você, porque isso não me importa mais, pois vou me matar!”
Dizem que ela, durante essa conversa, liga pro irmão, pro resgate, avisa o filho pra ir atrás do pai, chora, grita, tenta impedir o acontecimento. Mas, acho que ela não acreditou nele, só pediu pro filho ir atrás por precaução. Eu acho.
Voltando aos motivos: especulatórios.
Cronologia: Comungou na segunda, na missão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, inaugurou a padaria na terça, e se matou na quinta.
Mas que absurdo, como pode? Ele comungou e mesmo assim se matou? Ah não!
Foi dívida. Certeza! O cara me constrói uma padaria gigantesca e ainda vem dizer que pagou tudo certinho? Sem sonegação de impostos? Sem dever pro engenheiro? Ah não!
Pressão! Pressão da outra do Mato Grosso; ou tava grávida, ou tava extorquindo-o. Ia se apresentar pra mulher e pro filho dele.
Promiscuo do jeito que era, matou-se porque descobriu que tinha AIDS. Será que a mulher contraiu também? Quer dizer, as mulheres?
Já sei. É alguma coisa haver com o filho... Fez 18, ganhou carrinho do papai e vem com a história de “quero apresentar minha namorada a vocês”. Jantar no prédio, vinho tinto, esperam a moça – esperam que seja de boa família, afinal vai herdar a padaria- e na hora que vai ver, o menino apresenta um homem. Tai, o pai se mata de desgosto- desgosto só pra ele, né. Porque convenhamos, uma lanbisgoia, loira, burra, de Revanche e bolsa da Lacoste, só iria falir a padaria, isso sim é desgosto! Preferia mesmo que fosse um homem, gay discreto, sem parnafenália, pelo menos a padaria ia ser mais badalada, cult e quem sabe funcionaria um PUB ameno no andar de cima.
Constatação final: ele tinha problemas psíquicos!
Afinal, todo mundo que se mata, tem problemas psicológicos. Porque problemas todo mundo tem, o diferencial é como nos damos com eles.
Não sei quantos anos ele tinha ao certo, talvez quase 50... Imaginem: meio século de vida, toda uma experiência de vida, e nada adiantou para que ele resolvesse seus problemas.
E ninguém percebeu? Quais são os sinais? Como eu sei que uma pessoa está prestes a se matar? Sem contar que envolve aquela coisa de ter ou não ter uma arma em casa, né. Eu acho que nessa questão, deveria considerar que hoje a população brasileira está mais depressiva! Quer mesmo ter uma arma em casa? Ou é suicídio, ou é homicídio - briga do casal, acidente doméstico.
Sejam quais tenham sido seus motivos, Lúcio ainda está por aqui... Talvez esteja já no Umbral – ai que medo que eu tenho de lá. - ou talvez, como alguns aqui acreditem, ele esteja ainda na padaria.
Sejam quais tenham sido seus motivos, minha avó nunca mais pisou na padaria. Disse que não saberia o que dizer à Paula.
O que você diria a esposa de alguém que se matou?
Sejam quais tenham sido seus motivos, eu penso naquele filho, de 18 anos, pronto pra ser homem.
Sejam quais tenham sido seus motivos, pra mim, suicídio é sempre uma forma de dizer: ninguém me ajudou.




Isso é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

2 comentários:

Thai Nascimento disse...

É triste pensar que alguém acredite que não há outra saída a não ser se matar. Mas acontece mais do que a gente imagina. E, infelizmente, nunca percebemos os pequenos sinais com antecedência suficiente pra tentar ajudar de alguma forma.

Anônimo disse...

Bom o texto, você já tinha me falado sobre ele, mas gostei de lê-lo. beijinhos steh