3.12.12

Elevar a dor


[...]

Quarto andar. Infelizmente ela começou a pensar nos problemas que estavam enfrentando. O pai dela, a mãe dele. A irmã dela, as amigas dele. O ciúme dele, a carência dela. O amor doentio dos dois. Mas ainda se pode chamar de amor, não pode? E então ela pensou que não era o amor que era doente e sim eles dois. Ninguém ali sabia amar, sabia viver. Ninguém ali era doutor em alguma matéria que ajudasse a descomplicar as coisas do coração, por mais que ela lesse sobre o amor, e por mais que ele sonhasse com o amor, ninguém ali sabia direito o que estava acontecendo. E ela, secretamente comparou tudo aquilo que estava lhe acontecendo com o que já lhe havia acontecido, e ela percebeu que estava em um ciclo, onde o sofrimento estava sendo quase que inevitável, entretanto ela viu que ele era especial, porque por mais que ela já conhecesse essas águas, por mais que ela achasse que já conhecia essas águas, ela permanecia, ela ficava, ela insistia, mesmo pensando, mas só pensando, em desistir, mas ela ficava, ela permanecia, agora sem titubear, porque agora ela sabia que os dois estavam cansados de serem doentes de amor um pelo outro, eles agora queriam ser felizes de amor um pelo outro.


Quinto andar. Ela ainda não tinha certeza de nada. Estava no meio do caminho e não sabia o que fazer da sua vida. Brigar com os pais? Terminar dele? Largar a faculdade? Morar com ele? Emagrecer? Comprar uma bicicleta? Fazer sua torta de presunto e queijo? O que faria com tanto amor e pouca mobilidade? O que faria com tantas perguntas em um andar só? Fazia menos de 10 minutos que ele havia deixado-a na porta do prédio e ela já queria sair correndo e dizer pra ele voltar. Sabe, irritava muito não poder dormir com ele todos os dias, e era disso que ele reclamava, ele reclamava de não poder vê-la todos os dias, toda hora, do jeito que ele queria, porque doía “chegar em casa e não te ver lá deitada na cama”. E então, no meio de todas aquelas lágrimas ela mencionou Deus e seu plano inteligente. Se ela realmente acreditava naquilo? Não sei. Só sei que se não se agarrasse àquela idéia de que tem alguém cuidando da sua vida, preparando terreno para você ser feliz, ela enlouqueceria. Porque ela precisava acreditar que todo aquele sofrimento tinha um preço, ela queria acreditar que aquilo era uma prova de paciência, um teste de amor, queria acreditar que tudo ficaria bem, que eles ficariam juntos para sempre, e ela queria acreditar que o para sempre existia. A vida era dela, o sonho era dela, ela poderia acreditar nisso, e ela era muito racional para sentar com ele e dizer: “olha, agora o que eu posso te oferecer é isso, então a gente tem duas opções, ou a gente tem paciência e vai construindo ao poucos a vida que queremos, ou sejamos sinceros e nos largamos.” E ela falava aquilo com um medo filha da puta dele falar “então ta, acabou aqui”, mas ai ele lembra que ele disse que nunca terminaria dela, e ela reconforta-se um pouco, mas só um pouco. E então, no quinto andar, ela lembra que ele disse que era só com ela que ele queria construir essa vida que desejava, que não tinha como transferir seus sonhos para outra pessoa, ele queria fazê-la feliz, e somente ela. E então, olhando pro enorme espelho do elevador, ela sorri.

[...]

Décimo andar. É o último antes de ela chegar em casa. Ela concluiu que o ama, mas que isso dói. Amor combina com felicidade, mas dor não. E um amor que dói? É felicidade ou infelicidade? O que prevalece? Foi nesse andar que ela soube que nunca vai ter como fugir disso se ela não se tratar, que a doente é ela, e que a vida dela é que é um caos, um imã gingante de problema, que enquanto ela não desmagnetizá-lo ela não conseguirá ser feliz no amor e consequentemente em mais nada da sua vida. Ela precisava de ajuda e não tinha a mínima idéia a quem recorrer e o seu erro foi achar que os caras com quem ela namorava era o poço de ajuda. Ela errou em ouvir as músicas mais lindas e lembrar-se dele. Ela errou no momento em que permitiu que isso entrasse no seu coração. Ela sabia que iria dar nisso, porque é sempre assim. Ela estava cedendo para a dor e não para o amor. Foi no décimo andar que ela quis parar o elevador e ficar ali pra sempre, na boca do futuro e muito longe do passado, mas nem era presente. Ela percebeu, ela sempre sabia, que enquanto não se amar, não conseguirá amar saudavelmente ninguém. A pobre menina de auto estima baixa e com o coração partido só sabia chorar e o décimo andar alagou. Ela chorou tanto quanto ele chorou lá em baixo. Ela viu que a sua vida não tem conserto por si só, era ela quem tinha que tomar uma atitude e a vida estava te exigindo isso, dezembro chegara e isso significava mudanças, ou pelo menos promessas de mudança e ela não tinha certeza do que queria mudar. Ela tentava falar mentalmente com ele, ela tentava trazer aquela noite, como se tentasse rebobinar e queria pausar no momento, que ela não lembra qual, que eles começaram a se estranhar, queria pausar ali pra poder gravar algo em cima daquilo, talvez um programa de culinária ou um desenho animado, mas ela queria que isso nunca tivesse acontecido. Ela queria quase que mortalmente que ele nunca tivesse dito que pediria ela em namoro aquela noite. Ela não sabia como tinha todas aquelas lágrimas em seu corpo e ela só pensava em se machucar e se brecava no mesmo momento que lembrava o quanto isso machucaria as pessoas que ela ama e que a amam. Ela os amava bem mais que a ela. E isso era errado, mas tem tanta coisa errada por ai, não tem? Foi no décimo andar, quase nadando no elevador, que ela tentou pensar em como fazer aquilo dar certo, mas ao mesmo tempo em que tentava resgatar o amor, no meio daquele mar de lágrimas, ela lembrara que amanha ele passaria o dia com os amigos e que todo esse desastre emocional não o afetaria. Ela lembrara que passaria o dia na cama chorando e comendo chocolate e vendo séries e ouvindo Ana Carolina e choraria mais do que chorara no décimo andar. E então percebeu que já programara o seu dia de amanhã da forma mais dolorosa possível, e era isso que ela fazia: só pensava no fim e quanto isso era ruim.

[...]

Meu conselho para ela? Não sei, talvez ela precise mesmo de férias, nem com ele e nem com a família, talvez precisasse tentar algo diferente; poderia sugerir um amor de verão, mas suspeito que ela ame-o, por isso não funcionaria. Poderia sugerir a praia, seria uma boa ver o mar, senti-lo, mas talvez isso só complicasse mais as coisas com ele, ele surtaria de ciúmes, não? É, nem mesmo um pobre narrador, que sabe de tudo, do presente, do passado e do futuro, pode ajudá-la. Suspeito que só ela poderá mudar essa história, afinal, eu apenas narro, e são eles quem escrevem tudo isso, mesmo eu não concordando, eu tenho que relatar, mesmo eu achando que os pensamentos deles são distorcidos e desprovidos de fundamentos, tenho que os contar do jeitinho que eu observo.

E agora eu desejo que o Universo seja bom com eles, desejo que eles possam se amar sem pensar nos problemas, nas diferenças, nas cicatrizes, que eles adiem os problemas se sabem que não conseguem ainda resolvê-los. Como narrador só posso dizer uma coisa: eles se amam, e muito, e para sempre.


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