7.1.10

Morte morrida



- Os covardes morrem muitas vezes antes da morte, o valente experimenta o gosto da morte somente uma vez. (William Shakespeare)



Ai querido pai de Romeu e Julieta, não me jogue na cara que eu sou uma covarde!Isso dói, sabia?
Eu morro todos os dias... Aliás, morria todos os dias, hoje eu intercalo – dia sim, dia não. Já é um progresso.
Enquanto caminhava de manhã e sentia o suor em minhas costas, o calor do sol no rosto, o pulsar do meu coração acelerado pela corrida, o pouco vento que balançava meus cabelos, a música de fundo no fone de ouvido dando trilha sonora ao meu momento, eu percebi que em apenas essa vida, que vim como Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan, eu já morri e nasci várias e várias vezes. Isso de princípio me pareceu uma coisa boa, uma conseqüência de quem vive intensamente e sabe quando cai profundamente e morre, e quando surge das cinzas como a fênix, isso em questão de segundos, ou de anos.

Mas então eu parei a caminhada e sentei num banco do lado de tulipas amarelas, e refleti o meu pensamento.
Morrer e viver, compulsoriamente, em uma mesma vida, na MINHA vida, é “saudável”?
E pior, interprete morte fatos como: você ter que cancelar um encontro de amigos; você ter acordado com o pé esquerdo; a internet não estar pegando; o trânsito estar horrível; o dia estar nublado quando você tinha programado piscina; menstruação; mãe; pai; irmãos; cachorro doente; camisa mal passada; comida fria; adjetivos usados em lugares errados; “mim fazer”, “mim pegar”; “pobrema”; Turma do Didi; domingo; ressaca; café doce; arroz salgado; calor; leite quente; toddy vazio;
Eu morro, me enterram, quando essas coisas acontecem.
E não adianta olhar com cara de surpresa ou desapontamento, você há morreu e nem percebeu. Por coisas bem mais corriqueiras do que as minhas, mas o meu, o seu, o nosso vovô, a minha, a sua, a nossa vovó, estão lá, vivos. Pra eles não interessa se chove ou se faz sol, vai ter a aposentadoria ali, todo mês. Pra eles não adianta chorar o leite derramado – odeio clichês mais eu estou precisando odiar. Pra eles se tem vento ou não tem, não faz diferença, pra quem já trabalhou em baixo do sol do Nordeste, brisa de mar é raro.
Os avós não morrem mais, mas são os primeiros a morrer. Cômico ou trágico?
Por que a morte pra mim vem tão constante? Não é constante a palavra, seria algo mais: “por que eu me deixo morrer tão facilmente?”.
Pais enterram seus filhos, rico se torna refém, crianças são abusadas, deficientes enfrentam preconceito... Situações que nem sempre resultam em morte interior. Qual é a força, a mágica que desperta a esperança num refém? Por que o pai que amava o seu primogênito levanta todas as manhãs, mesmo sabendo que o teu herdeiro não está mais ali?Existem crianças abusadas que se tornaram adultos saudáveis psicologicamente. Deficientes encaram a cadeira de rodas com um sorriso no rosto.
Então a pergunta chave é: por que eu acho que sou “especial”, com quase 16 anos, e acho que posso morrer internamente porque um pernilongo me picou, ou porque minha mãe não larga do meu pé, ou porque meu pai não fala comigo, ou porque em eu amo não sabe que eu existo, ou porque meus desejos não se realizam?
as vezes acho que eu QUERO morrer.
as vezes eu acho que quero deixar de viver, pra poder viver.
A necessidade da morte que te leva à solidão, ao choro de soluço, à depressão, ao sofrimento é tão renovadora do que qualquer creme anti-rugas, do que qualquer endorfina. Chegar ao extremo, sentir-se incomodado com a tua própria presença no silêncio é a hora da morte. E então você morre. Morre porque você precisa viver de novo sabendo que vai morrer. Saudável ou não, ciclo ou ritual, o importe é não esquecer que a vida nada mais é que um período que em que se pode morrer.

2 comentários:

Thai Nascimento disse...

Caramba, teu texto tá muuuito massa.

Acho que vale a pena "morrer" de vez em quando, desde que quando ressucitemos, o estejamos dispostos a fazer as coisas diferentes, melhores.

Claro que encarar a vida com um sorriso no rosto sempre que possível, é bem menos doloroso.

Parabéns de verdade, teu texto tá tudo de bom: conteúdo, organização...

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

opa, esse eu ainda n tinha lido...

bem, qto a citação de shakespeare, talvez seja isso mesmo, mas n há tanto mal em se acovardar as vezes... afinal somos humanos, n cometermos erros e equívocos é um erro mto maior do q erramos e vivermos de 'tropeços fatais' por ai...

qto ao teu texto, eu fiquei um pouco supreso com a temática, e me surpreendi com a carga lírica (n sei se é essa a palavra) trazida com essa questão orgânica de vida-morte q tanto nos impressiona...

bai bai.