Eu fiquei pensando nessa frase a noite inteira e um pouco
dessa manhã. Eu ouvi-a por causa de uma clássica discussão: Capitu traiu ou não
Bentinho? A questão do meu texto não é discutir a possível traição – e que
vocês saibam, eu não acho que Capitu tenha traído Bentinho – mas é que o
interlocutor da minha discussão sobre o livro ontem usou esse argumento: “O
Amor de Bentinho por Capitu transformou-o”, e no caso transformou o coitado
para pior, né. Enfim, o amor transforma.
Concordo que o amor, como qualquer outra força, causa
impactos e deslocamentos e é regido pela lei da ação e reação, e se bobear até
pela lei da inércia ele é regido, mas a culpa é de quem? É a força por si só
que transforma ou o que transforma é o “fornecedor” dessa força? No caso da
discussão de ontem, meu amigo acusou Capitu te ter usado o amor que Bentinho
sentia por ela para manipulá-lo, e por isso ele se transformou no que se
transformou – e de novo eu digo que não concordo com essa visão um tanto quanto
machista!
E então? O amor transforma, não transforma? Se formos pensar
nas energias cósmicas do Universo e no equilíbrio da vida, sim, o amor
transforma porque você nunca é o mesmo, e essa experiência de amar ou ser
amado, ou ambos, te modifica sim, mas o que me deixa intrigada é saber se os indivíduos
têm essa consciência, e se as pessoas sabem que isso não é culpa
necessariamente delas. Capitu teve mesmo culpa de Bentinho amá-la
patalogicamente? Teve Capitu a intenção de tudo isso? Ela sabia que o amor
poderia virar aquilo que virou? O problemático era Bentinho e sua relação
Freudiana com a mãe ou o problema era Capitu que seduziu fria e calculadamente
o pobre do Bentinho, que por amor, ciúmes derivado do amor, fez o que fez,
sentiu o que sentiu?
Eu amo alguém e acho que esse alguém me ama, e vejo que esse
alguém está sendo transformado por esse “nosso amor” – e aqui entraria uma
discussão que renderia outro texto sobre o que é amor, se ele é essa coisa
branda, meiga e leve, como diz a literatura romântica, ou se ele é paixão, esse
turbilhão de problemas, essa dor gostosa, como nos coloca o realismo.
Se o amor transforma, temos duas alternativas: ele nos
transforma para melhor ou para pior.
Será que o amor verdadeiro e não patológico é aquele que nos
transforma pra melhor? E aquele que nos transforma para pior é o amor não saudável,
o doente, o patológico, o ciumento e doloroso? E então eu pergunto: o que é
melhor e o que é pior? Será que o fato de amar, independentemente desse amar te
transformar em algo bom ou ruim, já não é o suficiente?
Eu digo por mim, não vejo graça em amores mornos. Não vejo
graça em fotos perfeitas dos casais que de baixo do mesmo teto têm armas e
armadilhas contra eles. Vejo graça nos casais andando de mão dada na rua, mas
acho tão desnecessário o beijo em público.
Voltando... E se não foi o amor que te transformou, mas ele
só foi o desencadeador de um problema antigo e que não tem nada a ver com o
amor em si? Eu sou dessa opinião.
As pessoas estão narcisistas demais para amar. Não sei se sou
eu que acho isso pelo fato deu não acreditar no altruísmo idealizado pela
sociedade cristã, mas pelas barbas do profeta, quem ama sem querer nada em
troca? Amor incondicional? Jura?
Amor sem ciúmes existe? De acordo com Freud têm-se três
tipos de ciúmes: “O primeiro seria o ciúme devido à concorrência com o rival, que
inclui uma ferida narcísica; esse tipo se deve mais a uma questão de
narcisismo, de se perder o ser amado, e de uma competição pessoal com o outro –
de modo que, num aspecto ou no outro, o que está em questão é mais o amor
próprio do que o amor ao outro. O segundo tipo seria o ciúme originado da
projeção no outro de seus próprios desejos de infidelidade, realizados ou não.
Algo como: se desejamos ter outras relações, supomos, inconscientemente, por
uma projeção paranóide, que o outro deseja o mesmo. Já o terceiro tipo, que
Freud considera delirante, teria como origem uma homossexualidade negada, como
uma forma de se dizer, inconscientemente, que não é ele que ama o rival, mas
ela”.
Então eu acho que o que te transforma, para pior, é o ciúme
que o amor desencadeia. E o fato do ciúmes existir não é necessariamente culpa
do outro, pra mim o ciúmes é algo que vem de dentro e é projetado em
algo/alguém. Que culpa teria Capitu se Bentinho não era seguro de si o
suficiente e acreditou que a perderia? Que culpa tem Capitu de se apaixonar por
alguém com complexo de Édipo mal resolvido? Disso ela não tem culpa, mas será que
ela poderia ter amenizado a situação? Será que ela poderia ter passado a mão na
cabeça de Bentinho e tentar mostrar-lhe que ela estava ali pra sempre? E ai eu
me pergunto se Bentinho acreditaria ou se pensaria ser um plano diabólico de
Capitu para disfarçar seu amor por Escobar.
As pessoas sofrem! Sofrem porque vivem num mundo aonde as
coisas vem e vão muito fácil. Por que meu amor não iria embora fácil, assim
como veio fácil? Se o encontrei numa esquina, num bar, num metrô, por que
cargas d’agua ele não iria encontrar outra pessoa nessa mesma facilidade? Sem falar
na tentação carnal, não é? Não sei da onde as pessoas tiram a idéia de que só
porque amo alguém significa que eu nunca sentirei tesão por outra pessoa! Amor
não é castidade, pessoal!
Agora enquanto escrevo eu me deparo com a última pergunta –
eu acho! – se o ciúme derivado do amor é o que faz ele nos transformar em algo
pior, o que é que nos faz transformar em algo melhor?
Não acho uma resposta.
Pensei em algo aqui: quando você ama, e está em uma relação,
normalmente o sexo é regular, e isso, com certeza, te transforma em uma pessoa
melhor! Mas não é isso que estamos procurando, é?
Incrível! Posso citar centenas de coisas que me transformam
em uma pessoa pior quando eu amo, mas ta difícil sair algo que me melhora no
amor. Poderia citar os clichês, mas não é isso que eu quero, eu quero algo
verdadeiro que eu possa atribuir a minha felicidade de amar. E eu sei que tem
algo por de trás disso, porque se não nós não teríamos motivos para amar de
novo.
[...]
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