16.12.12

Quando falta amor


[...]

Bom, pai, eu estou te escrevendo para gente tentar conversar, ou melhor, para você tentar me ouvir.

Mesmo você negando, a gente não se fala direito desde o meu aniversário de 12 anos, quando eu ganhei aquela câmera que eu tirei do carregador antes da hora, lembra? E ai você brigou comigo, cancelou minha festinha de aniversário e depois disso nunca fomos mais os mesmos. A partir dali fomos um contra o outro sem cansar. Somos tão parecidos e isso só dificultava as coisas, nosso orgulho, nosso jeito estranho de amar as pessoas, nosso egoísmo, e as nossas feridas abertas.

Depois disso eu sempre dizia que você não me amava, e as pessoas tentavam me explicar que você me amava, mas do seu jeito; elas diziam [...] que você sentia amor, mas não sabia como demonstrá-lo, porque seu pai morreu cedo, e não tinha como você fazer uma coisa que você não sabia como era. E por muito tempo eu contrariava essa ideia, era muito mais fácil ser rebelde e dizer que meu pai não me amava.

Bom, “rompemos” e eu achava que isso não me afetaria, até que começou a aparecer você na terapia, [...] e até que eu comecei a sentir falta de uma referência paterna... Pensa comigo, eu não tinha avô, eu não tinha padrinho [...].

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Entretanto, a lembrança mais plena e linda que eu tenho de você foi quando eu tinha 13 anos e estava com problemas com o meu peso, lembra? Que fui à nutricionista pela milésima vez, que eu comecei a vomitar – não sei se você chegou a ficar sabendo disso, que eu desenvolvi bulimia -, aquela época que eu emagreci, mas eu não era feliz, sofria porque não podia comer e sofria porque achava que não estava com o corpo bom o suficiente... Enfim, lembro que um dia eu estava chorando no meu quarto por causa do meu peso e você me chamou lá fora, e no balcão tinha duas fotos minha, uma era eu bem gorda e a outra era a foto de quando eu atingi o mínimo peso que eu consegui com as dietas, e quando eu olhei as fotos eu já comecei a chorar e você simplesmente olhou pra mim e disse: “Em qual dessas fotos você era mais feliz?”. E eu entendi tudo o que você queria me dizer. E eu te amei muito aquele dia e te amo hoje por causa daquilo, você foi naquele instante o pai que eu gostaria que você fosse.

Então eu fiz 14 anos e tive meu primeiro namorado que você não fez questão de conhecer. [...] e você não aparentava se importar como o fato deu estar amando alguém, você aparentou não querer saber sobre isso, sobre o que eu sentia, sobre me ensinar alguma coisa da vida. 

Eu queria que você tivesse dado liberdade para esse meu primeiro namorado de entrar em casa, de sentar no sofá. Queria que você tivesse conversado com ele e tivesse feito aquele papel de pai que impõe medo no namoradinho da filha, sabe? Queria que você tivesse feito aquele clichê “olha rapaz, cuida bem da minha filha, se você a fizer sofrer, eu te mato”! Queria que tivesse sido mais fácil, e que a mãe não tivesse que ter feito tudo sozinha. Sentia sua falta nessa parte da minha vida.

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E aos trancos e barrancos o tempo passou e eu tive meu segundo namorado com 16 anos e esse durou mais, ficamos juntos por aproximadamente um ano e meio e vocês nunca conversaram, ele nunca sentou na varanda de casa e tomou uma cerveja com você, vocês nunca discutiram sobre futebol ou sobre política. Você nunca me perguntou se eu estava feliz, nunca me deu nenhum conselho, e olha que eu precisava demais de um conselho de pai.

Está entendendo o que eu estou dizendo, pai? Eu sei que seria pedir demais que você fosse o paizão que tem nos filmes, eu sei que você não é assim, eu sei que você me ama, e eu sei que você se preocupa comigo, até por isso todo esse seu zelo disfarçado de autoritarismo.

[...]

Eu fico pensando se você seria diferente se o seu pai não tivesse morrido enquanto você era criança ainda. Eu sinto muito, pai. Eu sinto muito por tudo o que te aconteceu e que ainda te acontece. Eu sinto muito por talvez não corresponder às suas expectativas, mas está doendo demais em mim e imagino o quanto deve estar doendo em você. Então eu te pergunto: tem como resolver a nossa situação? Tem alguma coisa que eu possa fazer pra você ser no mínimo um pai cujo eu não sinta ódio às vezes? Eu preciso te amar de verdade, te abraçando, te beijando, conversando com você. Eu preciso do seu amor demonstrado de verdade, tradicionalmente! Preciso que você converse comigo, me pergunte sobre o meu dia, como está a faculdade, como está meu coração.

Tudo isso veio a tona porque eu to namorando de novo, meu terceiro namorado, e eu não queria que ele fosse igual aos outros dois. Eu queria que fosse diferente dessa vez. Eu não sei o que você pensa sobre o amor, eu não sei o que você pensa sobre a felicidade, mas independentemente do que você pense, eu também tenho uma opinião a respeito disso, e provavelmente essa opinião irá mudar mais algumas vezes ainda, mas ainda sim é uma opinião, e é minha.

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E eu to amando ele, pelo menos é isso que eu chamo de amor, pai. E ele diz que está me amando também, e eu acredito nisso. E eu to feliz... É isso que importa, não é?
Enfim, estou te contando isso tudo porque eu quero que você participe da minha vida para que possamos conversar sinceramente um com o outro.

[...]

Queria nesse e-mail pedir a sua permissão pra tentar ser feliz, pai. Como eu disse lá em cima, eu não sei qual é a sua concepção de felicidade e pra falar a verdade nem sei direito qual é a minha concepção, ainda mais que eu entrei na faculdade e minha cabeça realmente está uma bagunça, mas eu acho, por hora, que felicidade são só momentos, momentos felizes [...].

Não quero brigar, não quero que isso vire discussão entre você e mãe, é só uma tentativa desesperada de reatar o laço pai e filha. É só uma tentativa desesperada de ser feliz. Queria que você me levasse a sério com esse e-mail, que se você leu até aqui eu já fico muito contente, tomara que tenha feito sentido pra você as coisas eu disse e saiba, pai, que eu digitei isso chorando, que eu desliguei o telefone agora pouco e estava aos prantos com a mãe, dizendo a falta que você me faz.

Então pense no meu pedido, tenta ser o mais imparcial possível, tenta ser o mais pai amigo possível, tentar ser um pouco meu amigo, tenta me dar uma chance. E eu prometo que acatarei a sua decisão, mas que, por favor, converse comigo a respeito, e eu tentarei não chorar.

Obrigada, pai.
Eu te amo muito, de verdade e pra sempre.

Beijos.

Um comentário:

Vanessa disse...

que e-mail mais lindo. tomara que dê tudo certo.